La France est malade de son modèle historique

11/04/2006

Depois do não à constituição e a revolta nos "banlieues", a crise do CPE: porque hoje e porque na França, professor Gauchet?

Marcel Gauchet - Há uma desorientação geral que se exprime nestes movimentos. No fundo, o CPE é expressão daquilo que se pratica em toda a parte na Europa, mas uma clausula sua foi interpretada em função da historia francesa: para nós, dispensar sem motivo significa arbitrariedade. Isto é, o Velho Regime, a Bastilha, o autoritarismo dos regimes bonapartistas. A França está doente porque o seu modelo histórico não entra no novo curso do mundo ditado pela europeização e pela mundialização. Por isso, a crise me parece muito profunda.

O que há de particular na relação dos franceses com sua historia?

Marcel Gauchet - A fé na política. Também os outros europeus estão preocupados com o crescimento da precariedade, mas não pensam de ter o poder de incidir sobre a realidade. Os franceses, ao contrário, continuam a acreditando na política e no Estado. A herança histórica francesa é esta: a partilha na política. Por isto, os nossos vizinhos acreditam que sejamos um pouco loucos.

Esta convicção explica muitas coisas, com freqüência incompreensível no exterior, como a força da extrema direita: as pessoas não se resignam à insegurança ou ao fato que não se pode controlar as fronteiras. Se um homem político quer suicidar-se, basta dizer que "o Estado não pode tudo". É aquilo que fez Lionel Jospin, com o êxito que sabemos. Uma pesquisa mostrou recentemente que os franceses são aqueles que menos acreditam na economia de mercado: não pensam que se deve sair do mercado, mas pensam que o Estado deve dominar o mercado.

Quais são as responsabilidades da classe política, a distância entre as palavras e os fatos de Mitterrand e Chirac?

Marcel Gauchet - São enormes. Pagamos pelo predomínio de personalidades extremamente cínicas. Mitterrand adotou de fato o neoliberalismo, mas continuou dizendo que fazia uma política socialista; disse que a Europa seria uma França maior, no entanto a realidade da integração européia significa adaptar-se a um mundo diverso. Chirac é ainda mais cínico: tem um discurso generoso, progressista, protetor, no entanto os seus primeiros ministros fazem uma política totalmente diversa. É uma enganação. Ninguém, nem mesmo entre os intelectuais e os jornalistas alguém teve a ousadia de explicar aos franceses que coisa comportava a Europa e a mundialização em relação ao seu modelo histórico. Ninguém disse a eles: vocês precisam mudar.

A raiva dos jovens franceses pode chegar a outros países?

Marcel Gauchet - Não acredito, porque estamos diante de um movimento de resistência, que não produz idéias. Não há nenhum projeto francês e o nosso modelo está em crise. Por esse motivo o efeito é limitado: os franceses são incapazes de resolver os seus problemas internamente, imagine se podemos ser um exemplo.

Não é muito pessimista?

Marcel Gauchet - A verdadeira incógnita é saber se o país tem ainda energias para reagir a esta profunda depressão, se os franceses são ainda capazes de dar um conteúdo ao voluntarismo ao qual estão tão agarrados.

É necessário adaptar-se a Europa e à mundialização assim como são, não como queremos que fosse: tem alguém em condições de dizer a verdade à gente? Preocupa-me o fato que este país não tem mais a sua fé tradicional na inteligência. Houve outros momentos nos qual a França andava mal, mas havia pessoas para analisar as coisas, para desenhar soluções. Agora é como se esta capacidade estivesse anestesiada. É isto que me inquieta.